Trata - se de um resgate histórico interessante esse do Miltinho (assim o autor é conhecido entre os seus). Organizado e apresentado de forma a sobressair uma linha cronológica, além de alguns breves ensaios sobre fatos e personalidades locais, o estudo cumpre um papel essencial: traz a público um conjunto de informações sobre a origem e a formação da comunidade batalhense, notícias essas certamente pouco conhecidas ou mesmo desconhecidas de muitos.
Numa de suas obras mais festejadas, o livro Passeio a Oeiras, o historiador Dagoberto Carvalho Júnior enuncia uma

Nesse trabalho, Carvalho Júnior nos conduz a um passeio pela trissecular Oeiras, seguindo um roteiro sentimental e pitoresco incensado pelo lirismo e poética.
De outra maneira, focando com lentes possantes o processo de constituição do espaço público urbano brasileiro, Murillo Marx, numa tese de livre docência apresentada à USP - Universidade de São Paulo, há dez anos, e logo feita em livro, vê - se quão poderosa e determinante foi a influência da esfera eclesiástica no dito processo.
O livro de Marx chama - se Nosso Chão: do sagrado ao profano (escreveu outro depois, 1992, Cidade no Brasil: Terra de quem?, em que retorna à questão). Em ambos, esse autor mostra de forma brilhante como o espaço urbano no Brasil, fundado canônicamente em "derredor" e em função da igreja("local pio","sagrado"), foi sendo secularizado/laicizado e se transmutando em chão público - civil ("profano"). Dizendo de outra maneira: de como a "Terra do Santo" foi se tornando "terreno foreiro municipal".
Em recente estudo de autoria das professoras Maria Célis Portella Nunes e Irlane Gonçalves de Abreu, intitulado Vilas e Cidades do Piauí (FUNDAPI, 1994), tomando de certo modo e em certa parte o esquema explicativo do próprio Murillo Marx, examinam elas o processo de formação das primeiras freguesias e vilas piauienses, chamando a atenção, sobretudo, ao traço comum destas, qual seja o nascimento a partir das capelas erigidas nas fazendas de gado.
Dizem Célis e Irlane (p. 92): "Via de regra, instalada a fazenda, assentados os fregueses ou vizinhos, o proprietário, por sua vontade ou atendendo a rogo de terceiros, cedia uma parcela da terra a um santo da devoção daquele povo. Erguia - se, então, uma capela (...). A terra do Santo transformava - se, a partir de então, em terra de ninguém (o poder de seus ex - donos, em tese, se tornaria igual ao dos outros fregueses) e em terra de todos em relação ao chão em que estava enraizado, um significado especial: não era público e nem privado, mas transcendia a esses domínios, tornando - se no imaginário popular um símbolo de proteção, tanto na vida como na morte. A própria ascensão de uma pequena freguesia à condição de vila, e depois à de cidade, tinha seu aval na Igreja". Apenas um reparo nessa análise: era mais comum, ao que se sabe, os fazendeiros adotarem como orago os Santos de sua devoção e não os do povo.
É possível que Miltinho não tenha tido acesso a esses estudos e interpretações, até porque não os cita. Mas o livro que fez sobre Batalha mostra exatamente o nascimento de uma comuna piauiense perfeitamente conformada na explicação acima. Aliás, a formação da Batalha evidencia outro traço geral e muitas vezes propositadamente esquecido que enreda o nascimento das comunidades lusas neste lado do Atlântico: o genocídio das populações nativas.
A atual povoação da Batalha é fundada no momento mesmo em que tropas a soldo de entradistas chefiados por Bernardo de Carvalho (Mestre de Campo e "senhor" de Bitorocara/Campo Maior) esmagam no campo de batalha os seculares e autênticos habitantes do lugar, os índios. Isto ocorreu, em algum(uns) dia(s) dos meses finais do ano de 1712, e logo depois "brancos"(fazendeiros e vaqueiros) tomam de conta definitivamente das terras e instalam seus criatórios. Está fundada a hoje cidade da Batalha. Em 1725, já estava levantada a Capela de São Gonçalo.
Gonçalo Carvalho da Cunha, Capitão - mor das Entradas é um dos chefes dessa (para eles) vitoriosa perseguição aos nativos. Miltinho não afirma, mas deve ser esse o Chefe que se impôs como "posseiro" do lugar, fundando assim a Batalha, e se constituindo no único eleitor de São Gonçalo para orago e protetor do lugar/povoação que fundara com a dizimação da indiada. O Padre - historiador Cláudio Melo, que em Portugal garimpou como ninguém dentre nós um grande número de importantes documentos da História do Piauí (alguns deles citados - transcritos pelo próprio Miltinho), ajuda - nos a revisitar esse cenário de guerra em mais de um de seus estudos.
Aliás, um desses documentos é datado de 25 de maio de 1713 e foi escrito por Sebastião Lima, e nele há a notícia dessa guerra "justa" aos índios no lugar da hoje povoação da Batalha (MELO, Cláudio. Bernardo de Carvalho. Teresina. EDUFPI, 1988. p. 31).
Num dos capítulos, Miltinho discute e recusa, acertadamente, uma data do ano de 1938 escolhida como da "emancipação" político - administrativa do hoje Município. De direito Batalha foi feita município em 1855, no mesmo lugar da Freguesia/Paróquia, no espaço da jurisdição civil do Terceiro Distrito do Termo Judicial da Piracuruca. De fato, ela foi fundada em 1712/13, portanto exatos 140 anos antes da Freguesia e 142 anos antes do município. Se é mesmo para se escolher uma "data magna", cheia de grandeza para a comunidade celebrar, porque não volver à vitoria na batalha donde nasceu a Batalha?
É de se indagar, todavia: convém celebrar uma façanha que demarca uma vitória do "branco" (português) sobre o vermelho (indio)? Sim, assim me parece e tudo depende do tipo de valoração que se dê ao fato histórico. Afinal, a história se move remoendo contradições.
Tinha mais a dizer sobre o livro de Miltinho Martins, mas meu espaço acaba de acabar. Resta um cumprimento final e um convite para que ele aprofunde, ainda mais, suas pesquisas. Todos temos a agradecê - lo: sua terra, com sua legião de Gonçalos e nós, que amamos a história.
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